Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, defende medidas para melhorar a oferta e os preços do gás natural no Brasil
A perspectiva de que a inserção do gás natural no Brasil poderia modernizar os sistemas energéticos, criar um mercado com oferta abundante do insumo a preços competitivos e desencadear um ciclo virtuoso de investimentos na indústria ainda não se confirmou. Na contramão das previsões, o consumo de gás natural no setor industrial, responsável por cerca de 60% do total consumido no país, está estagnado há mais de 10 anos.
Isso ocorre, especialmente, porque os preços do insumo no mercado nacional estão entre os mais elevados do mundo. No Brasil, o gás natural chega às indústrias por US$ 21 por milhão de BTUs, em média. O valor é muito superior ao dos Estados Unidos, onde a molécula do gás custa US$ 2,5 por milhão de BTUs, e representa mais do que o dobro da média de US$ 9 por milhão de BTUs praticada no mercado europeu.
Para mudar esse cenário, é preciso avançar na discussão sobre as medidas necessárias para melhorar a oferta e os preços do gás natural, identificando as oportunidades para transformar esse energético em uma vantagem competitiva para a nossa indústria.
Um longo caminho já foi percorrido para a reestruturação do mercado brasileiro de gás natural. Nos últimos dois anos, a Nova Lei do Gás – instrumento necessário para a reforma do setor –, permitiu avanços importantes como o aumento no número de carregadores autorizados, a entrada de outros supridores e novos contratos nas distribuidoras.
No entanto, por si só, a Lei não é suficiente para a criação de um mercado aberto, dinâmico e competitivo. O número de contratos de consumidores industriais no ambiente de contratação livre ainda é pequeno, indicando que há grandes desafios a serem superados para garantir o desenvolvimento do mercado de gás brasileiro.
A efetiva modernização do setor depende de avanços em várias frentes. Uma delas é a melhoria do ambiente regulatório. O decreto assinado pelo governo caminha nessa direção. Com a Nova Lei do Gás, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) recebeu uma série de atribuições e precisa dar celeridade à agenda regulatória já estabelecida. Diversas barreiras e lacunas dificultam a gestão eficiente da malha de transporte e o acesso às infraestruturas essenciais do gás natural. A solução dessas questões requer a adoção de normas adequadas para garantir a concorrência e a atração de investimentos para o setor. A abertura do mercado exige, ainda, que as regulamentações estaduais reflitam o novo modelo, dando mais segurança e previsibilidade aos consumidores livres.
Outro ponto importante é a garantia de suprimento. Apesar das projeções demonstrarem que a indústria brasileira tem potencial para substituir fontes energéticas mais poluentes por gás natural, o que se observa, na prática, é que a demanda pelo insumo não vem sendo atendida adequadamente. As deficiências no abastecimento têm causado problemas como ociosidade nas caldeiras a gás natural e a paralisação de fábricas de fertilizantes, o que prejudica a capacidade das empresas de enfrentar os competidores internacionais.
Os consumidores de gás veem com expectativa o anúncio de novos projetos que prometem aumentar a oferta de gás natural. Entre os planos futuros, destaca-se a entrada em operação do Gasoduto Rota 3, prevista para este ano, com capacidade para escoar 18 milhões de metros cúbicos ao dia.
Além disso, o desenvolvimento do Projeto Raia está em andamento e deve começar a operar em 2028, com a estimativa de produzir cerca de 14 milhões de metros cúbicos ao dia. Há, ainda, a previsão de que se anuncie, até o fim deste ano, a decisão de investimento no Projeto Sergipe Águas Profundas (SEAP), que tem potencial para produzir até 18 milhões de metros cúbicos de gás natural ao dia a partir de 2030.
Além dos projetos de aproveitamento do gás nacional, o governo brasileiro e representantes do setor industrial discutiram, recentemente, com autoridades bolivianas a possibilidade de a indústria nacional comprar o insumo diretamente daquele país. Com a perspectiva de autossuficiência da Argentina, há uma janela de oportunidade na contratação de gás da Bolívia que pode atingir 4 milhões de metros cúbicos ao dia no curto prazo.
Outros 2 milhões de metros cúbicos ao dia podem ser trazidos da Argentina pela infraestrutura de gás boliviana, atualmente ociosa. Se concretizados, esses acordos devem elevar a oferta e proporcionar uma redução de cerca de 30% no custo do gás natural para as empresas.
Estamos diante de um momento decisivo para a evolução da indústria de gás natural brasileira. Para que isso se torne realidade, precisamos de um ambiente com maior previsibilidade, que estimule investimentos de longa maturação e ajude o país a ter uma oferta compatível com a demanda e com os projetos de expansão das empresas.
A construção de um mercado de gás natural competitivo, capaz de atender às transformações das cadeias de produção, depende de políticas públicas voltadas à redução dos preços, ao aumento da oferta e à ampliação dos investimentos na infraestrutura do setor. A definição dessas políticas deve ser feita com transparência, articulação e governança entre os diferentes órgãos públicos com competência para estimular o mercado de gás natural como os ministérios de Minas e Energia; do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; e da Fazenda; a ANP; o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade); e as agências reguladoras dos estados.
O governo federal tem ouvido os representantes de diferentes elos da cadeia e traçado um diagnóstico acertado dos obstáculos que precisam ser vencidos na área de gás natural. Entretanto, ainda há grandes entraves para o desenvolvimento e a modernização do setor. Com uma política adequada, poderemos corrigir as distorções e ter um mercado de gás natural competitivo, que promova a neoindustrialização e contribua para o crescimento da economia e a geração de empregos no país.
*Ricardo Alban é empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O artigo foi publicado no jornal Valor Econômico no dia 27/08/2024.