A crise econômica que levou o país à maior recessão de sua história (2015-2016) trouxe sérias consequências negativas ao investimento. A necessidade de conter gastos levou o governo federal a abandonar novos planos e a paralisar importantes obras de infraestrutura.
Ainda que mais evidente no caso da União, esse processo de deterioração fiscal e contração dos investimentos também afetou estados e municípios, que se viram igualmente instados a interromper vários programas. O saldo é que o Brasil tem, atualmente, mais de 4.000 obras paradas, sendo 20% da área de infraestrutura.
No fim de 2018, os investimentos da União representaram apenas metade do total investido em 2014. No caso das empresas estatais, o total investido no ano passado representou uma queda de 30% em relação a 2014. Em uma realidade de intensa restrição fiscal, é essencial para o país se contrapor às limitações do Estado com uma maior participação da iniciativa privada, tanto nos investimentos, como na gestão da infraestrutura.
Nesse contexto, o processo de privatização se impõe como um instrumento decisivo para a modernização do setor, com a transferência de empresas e ativos do Estado para a iniciativa privada, a fim de que sejam operados sob um modelo mais eficiente de governança.
Nos últimos anos, foram realizadas importantes concessões ao setor privado. Merecem destaque os leilões de seis áreas para a exploração e produção de petróleo, de sete distribuidoras de energia elétrica, de várias dezenas de lotes de linhas de transmissão e usinas geradoras, e dos aeroportos de Fortaleza, Salvador, Florianópolis, Porto Alegre, Vitória, Recife, Aracaju e Maceió.
A continuidade e o aprofundamento desses processos são fundamentais para intensificar a recuperação da economia e auxiliar na pavimentação de um novo ciclo de crescimento com base na expansão do investimento.
Para garantir a atração de agentes privados, além de um retomo que cubra o custo de capital do investidor, é necessário mitigar riscos legais, contratuais, regulatórios e relativos ao ambiente de negócios.
Nessa direção, o Programa de Parcerias em Investimentos (PPI) tem feito a sua parte, criando uma perspectiva positiva, com a elaboração de projetos e estudos de qualidade, e cumprindo os prazos acordados. A União e os Estados têm uma ampla variedade de projetos com previsão de serem privatizados ou concedidos nos próximos três anos, incluindo 22 aeroportos, 17 terminais portuários, oito rodovias e duas ferrovias.
Até 2022, o Governo Federal prevê R$ 70 bilhões em investimentos por meio de concessões e privatizações.
As recentes outorgas no setor do petróleo e gás são um exemplo de sucesso. Em 2018 foram realizadas duas licitações de áreas para a exploração e produção que, somadas, renderam cerca de RS 10 bilhões em bônus de assinatura. Do ponto de vista de melhoria da gestão e abertura de mercado, a venda de 90% das ações da Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG), subsidiária da Petrobras, com o pagamento de RS 33,5 bilhões, mostra uma tendência necessária para o aumento da participação privada também na gestão da infraestrutura.
O mercado também aguarda ansioso a realização do megaleilão do excedente da cessão onerosa do pré-sal previsto para 6 de novembro. O governo estipulou em RS 106,6 bilhões o valor a ser pago de bônus. As maiores empresas de petróleo e gás do mundo já estão avaliando as áreas a serem oferecidas para participar do certame.
É essencial um quadro legal que proporcione segurança jurídica e um ambiente de negócios que gere confiança.
Do lado da desestatização, o Brasil ainda possui 134 Empresas Estatais Federais, 50% delas na área de infraestrutura. Entre as ações previstas nessa área, a “joia da coroa” é o Grupo Eletrobras. Maior holding do setor elétrico da América Latina e uma das cinco maiores geradoras hidrelétricas do mundo em capacidade instalada, a empresa detém mais de 30% da geração do Brasil e mais de 70 mil quilômetros de linhas de transmissão.
O processo de capitalização e desestatização da Eletrobras é muito importante para o país, uma vez que a companhia precisa realizar os investimentos necessários sem as amarras do controle público e com a agilidade do setor privado.
O modelo de privatização previsto para a Eletrobras avança na direção de eliminar possíveis ingerências políticas, que tantos prejuízos já causaram à empresa e ao Brasil. Além disso, está inserido no contexto de reforma estrutural do setor elétrico brasileiro. O atual modelo tem apresentado claros sinais de esgotamento. Problemas no planejamento e na gestão dos mercados desestabilizaram o setor, gerando custos adicionais, crescente judicialização e enormes passivos financeiros que recaem sobre os consumidores. Atualmente, existem três projetos de lei tratando sobre essa matéria no Congresso Nacional.
Na área dos transportes, também existem importantes ações, como é o caso da extinção da Companhia Docas do Maranhão (Codomar), uma administradora portuária deficitária, que há muitos anos não possui nenhum terminal para administrar. É necessário ainda transferir oito administrações portuárias públicas federais ao setor privado, com a privatização das Companhias Docas, o que deve ser iniciado com a unidade do Espírito Santo.
No caso do saneamento básico, o programa de concessão das companhias estaduais, conduzido pelo BNDES, conta com nove empresas, mas ainda não há previsão de realização dos leilões. Nesse setor, há necessidade de uma reforma legal que permita a competição entre agentes públicos e privados para alavancar os investimentos nos serviços de água e esgoto.
No setor de gás natural, além do esforço de privatizar, é preciso quebrar monopólios para permitir condições isonômicas de acesso e competitividade aos sistemas de transporte e de distribuição do produto.
Também é imprescindível aprimorar nossa capacidade de estruturação, modelagem de contratos e gestão de projetos de infraestrutura. Uma medida fundamental é dar continuidade à estrutura de gestão proposta pelo PPI, para fortalecer o micro e o macroplanejamento do setor.
O Programa deve ser uma política de Estado e não de governo, para garantir sua necessária continuidade e não ficar sujeito às questões políticas do momento. Nesse sentido, merece apoio a Medida Provisória 882/2019, em especial nos dispositivos que fortalecem a estrutura do PPI e conferem maior agilidade ao BNDES para a contratação de estudos para elaboração e modelagem de projetos de infraestrutura.
A ampliação e a modernização dos investimentos em infraestrutura no Brasil possuem um longo caminho pela frente. Entretanto, já existe um consenso de que a solução dos atuais gargalos passa, obrigatoriamente, pela expansão da participação da iniciativa privada nos investimentos e na gestão do setor. Para que isso ocorra de forma sustentável, são essenciais um quadro legal que proporcione segurança jurídica e um ambiente de negócios que gere confiança na estabilidade das regras do jogo.
* É presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
O artigo foi publicado no jornal Valor Econômico