Quando qualquer cidadão ou instituição -- seja uma associação de bairro, um sindicato, uma organização não governamental (ONG), seja uma entidade empresarial -- procura o poder público para apresentar um ponto de vista ou tentar aprovar alguma decisão, o nome que se dá a esse movimento é um só: lobby. Não há democracia sem que a sociedade organizada possa exercer pressão sobre as autoridades públicas. O que precisamos discutir são parâmetros para a legítima representação de interesses, pautando-a pela transparência, pela ética e pelo profissionalismo.
O debate sobre a regulamentação do lobby, que está na ordem do dia, não é novo. O primeiro projeto apresentado no Congresso Nacional sobre o tema data de 1984. Desde então, o Poder Legislativo se debruçou sobre propostas de marcos legais, com maior ou menor intensidade, por diversas vezes. Hoje, pode-se dizer que há um avançado grau de maturidade no debate e uma concreta possibilidade de o Brasil contar, enfim, com regras claras para o legítimo e democrático exercício da defesa de interesses.
Atuaram dessa forma 26 países, em sua grande maioria democracias consolidadas do mundo desenvolvido. Na América Latina, apenas o Chile regulamentou o lobby, por meio de um processo jurídico construído ao longo de 20 anos. O modelo chileno é considerado um dos melhores em vigência, por sua simplicidade, seu equilíbrio e seus parâmetros de transparência para agentes públicos e profissionais que trabalham com relações institucionais e governamentais.
Se bem feita, a regulamentação pode qualificar o exercício do lobby pelos profissionais da área. O estabelecimento de regras para o reconhecimento legal da atividade é, aliás, benéfico para o poder público. Nenhum parlamentar ou agente público sabe tudo sobre todos os assuntos. Ao atuar na elaboração de leis e programas, sob diferentes pontos de vista, a sociedade organizada contribui para avaliar seus possíveis impactos.
A palavra-chave nesse processo é transparência. Para o parlamentar ou o agente público, a contrapartida é a segurança de saber com quem se está falando e que interesses aquele profissional representa. Assim, com um conjunto de parâmetros de boas práticas, todos auxiliam a tomada de decisões sob critérios técnicos.
Confundir lobby com maus procedimentos não é exclusividade brasileira, mas a atividade não pode e não deve ser tratada como corrupção. Por isso, é preciso um debate franco sobre o tema, como tem estimulado a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Só assim poderemos superar a equivocada associação do lobby - legítima representação de interesses - a ilegalidades. Tais práticas, vale lembrar, estão tipificadas como crimes, ilícitos civis e administrativos em diversas leis em vigor, com penas rigorosas.
Vale destacar que o Projeto de Lei nº 1.202/2007, na forma do substitutivo que está pronto para votação no Plenário da Câmara dos Deputados, avança na construção de um marco importante para disciplinar a atuação com transparência e a representação qualificada por meio de boas práticas que fortaleçam a atividade. No texto da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), ressalte-se, entre outros pontos positivos, a definição da esfera de atuação do profissional na defesa de interesses, com foco na entrega de materiais técnicos e de análise de impactos regulatórios.
O projeto também prevê a definição de um cadastro de profissionais e a imposição de sanções para condutas inapropriadas. Esses parâmetros contribuem para a necessária transparência e a ética na defesa de interesses das entidades privadas, bem como para orientar as pessoas responsáveis pelo diálogo com o poder público.
A proposta conta com o apoio da CNI e, embora possa ser aperfeiçoada em alguns aspectos, tem o mérito de avançar na consolidação de um marco legal adequado para o país. O projeto não impõe um excesso de burocracia no acesso dos profissionais de relações governamentais às autoridades públicas, o que os empurraria para as sombras, como ocorreu em certas experiências internacionais.
O projeto tem, sobretudo, a virtude de tratar a defesa de interesses como o legítimo e democrático direito que a sociedade organizada tem de atuar perante quem governa no processo de tomada de decisão. Ao criar um marco legal e tornar mais transparente esse processo, a regulamentação do lobby permitirá que essa atividade deixe de ser injustamente associada a condutas ilícitas, contribuindo para coibir eventuais desvios e para reforçar o combate à corrupção.
*Presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)